VALE A PENA LER, RETIREI DO SITE DO JORNAL PÚBLICO:
enfermeiros, classe profissional ostracizada
Não sou enfermeiro. Sou jurista. Enfermeiros,
classe ignorada De há uns tempos a esta parte temos vindo a assistir ao
envolvimento quase messiânico da imprensa e, naturalmente, dos visados, na
questão do estatuto dos docentes e, ultimamente, da sua avaliação, com
evidentes consequências nas respectivas carreiras. Não se questiona a
legitimidade nem a oportunidade de tais empenhos, muito menos o relevo social de
tal classe profissional que, de resto, alcançou recentemente os seus
objectivos. O que curamos aqui de advogar é evidenciar uma classe profissional
esquecida e, ultimamente, explorada sob vários prismas, a qual, pelos vistos, e
como a mais recente imprensa reconheceu, corre o risco de ser prejudicada com
aquele sucesso. Referimo-nos aos enfermeiros. Constatamos, antes de mais, uma
aparente contradição: tratar-se de classe profissional reconhecida e acarinhada
casuisticamente quando confrontada em ambiente hospitalar ou similar e à qual
se reconhece a dedicação, o carinho, a entrega até à exaustão e com forte
componente emotiva, percebendo-se o desgaste profissional, com cargas horárias
exageradas e, na maioria das vezes, com horários descontinuados, com noites
sofridas. Em contraponto constatar-se que é uma classe profissional a que não é
conferida uma digna contrapartida estatutária. Estes profissionais são
licenciados, alguns com mestrado, academicamente ao nível de todos os outros
profissionais licenciados (docentes, licenciados em história, psicologia,
biologia, filologias, etc… etc…). Porém, o Estado, na perspectiva dos diversos
serviços, ainda não interiorizou que os enfermeiros têm de ter idêntico
tratamento aos demais licenciados, desde logo ao nível remuneratório e evolução
de carreira. Não se compreende como o Ministério da Saúde e outras entidades
continuem a equiparar, na prática, os enfermeiros a meros bacharéis e não
licenciados que são e a permitir que estes profissionais, trabalhando 40 horas
semanalmente, a que acrescem sempre turnos diferenciados onde se incluem os
nocturnos, aufiram salários singelos, sem acréscimos dignos e, pior, sem um
horizonte de evolução de carreira, particularmente quanto aos jovens
enfermeiros, curiosamente, os academicamente mais habilitados. Bastará atentar
mensalmente na listagem dos aposentados do Estado e comparar as pensões dos
enfermeiros (em fim de carreira, note-se!) com os demais licenciados,
particularmente com os docentes (educadores de infância e professores do ensino
secundário), para se concluir quão injustiçados aqueles têm estado. Não se
trata de censurar o que se atribui aos demais profissionais referidos, longe
disso, mas tão somente usá-los como termo de comparação próximo para alicerçar
a afirmação de que os enfermeiros têm sido efectivamente o parente mais pobre
dos licenciados, e, na prática, não reconhecidos como tal, sobretudo, há que
dizê-lo sem constrangimentos, quando são os que têm uma função física e
psicológica mais desgastante comparativamente com os demais, à excepção dos
médicos. Só quem não conhece o meio hospitalar pode não estar de acordo.
Veja-se o tratamento do Estado a estes profissionais neste simples exemplo que
me foi transmitido: consta que nas forças armadas os enfermeiros licenciados
são os únicos licenciados que enquadram a classe dos sargentos enquanto todos
os demais (seja qual for a licenciatura) enquadram a classe dos oficiais.
Porquê? Pergunto: a licenciatura em enfermagem, com forte componente
científica, merece menor qualificação que outra qualquer licenciatura
(história, psicologia, filologia, etc… etc…?). Porque não se lhe atribui, como
aos demais licenciados, idêntica qualificação? Estamos, sem dúvida, num
Estado/sociedade onde complexos socioprofissionais se mantêm como há 40 anos,
com uma agravante: Há 40 anos ao enfermeiro bastava a formação pouco mais do
que básica. Hoje, além do 12º ano da área de ciências, como para qualquer
licenciatura em ciências, exige-se uma licenciatura técnico/científica.
Exige-se dedicação plena e exige-se elevada responsabilidade profissional. Em
contrapartida uma mão cheia de muito pouco e infelizmente cheia de desilusão.
Esta intervenção é apenas um contributo para que uma classe profissional (dos
enfermeiros) obtenha a mesma atenção e reconhecimento atribuídos a outras
classes profissionais que têm dominado o espectro político e jornalístico.
Especialmente neste momento em que os responsáveis políticos não só não
efectivam uma justa revisão da respectiva carreira, no mínimo equiparando-a às
carreiras de técnicos licenciados e docentes, como, pasme-se, apresenta uma
nova proposta que mais não é senão uma diminuição daquilo que se apresenta
actualmente injusto e indigno para estes profissionais LICENCIADOS. Isto
deve-se, quiçá, ao facto desta classe profissional não ter elementos seus
ocupando lugares no poder político ou dele próximos e influentes nem servir de
objecto jornalístico apetecível (?). Mas é também por estes motivos que o dever
de cidadania efectiva numa democracia também efectiva e não meramente formal me
impõe este dever de intervir por esta via, além de outras que assumi.
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